ARTIGO: CASA DE PROSTITUIÇÃO CIBERNÉTICA

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Conceito Legal; 3. Interpretação Evolutiva; 4. Adequação Típica à Modalidade Cibernética; 5. Momento Consumativo, Tentativa e Prisão em Flagrante 6. Competência; 7.Propaganda Sexual. 8. Conclusão.

RESUMO: O presente artigo tem como objeto de estudo a evolução criminal do delito de casa de prostituição a partir de uma perspectiva tecnológica, por intermédio da interpretação prospectiva do Direito Penal. Trata-se de pesquisa minuciosa da nova espécie de prostíbulo cibernético, que se perfez através de acurada análise de adequação típica à nova modalidade virtual.

PALAVRAS-CHAVE: casa de prostituição cibernética, virtual, prostíbulo cibernético, interpretação evolutiva, interpretação prospectiva, direito penal.

ABSTRACT: The present article has as its objects of studying the criminal evolution of wrongdoing of a whorehouse in a tecnological perspective, through a foward-looking statement of interpretation of Brazilian Penal Law. This research careful checks into the new kind of "cibernetic whorehouse", which arise from a detailed typical adequacy analysis to a new virtual method.

KEYWORDS: cibernetic whorehouse, virtual whorehouse, progressive vision, Brazilian Penal Law, foward-looking statement of interpretation.


1. INTRODUÇÃO:

Atividade defendida por São Tomás de Aquino, amaldiçoada pelo cristianismo e islamismo, endeusada pelas civilizações egípcias e gregas e condenada como escória da sociedade na idade média, a prostituição já ocupou diferenciados patamares ao longo da história.

A "profissão mais antiga do mundo" encontrou na figura de Maria Madalena a sua representante mais conhecida, embora não haja nenhuma passagem bíblica que indique que fosse esta sua atividade habitual.

A "mulher anônima", como ficou ocidentalmente conhecida (Lucas 7:36-50), personificou o estigma de mulher arrependida que, para ganhar as bênçãos divinas, precisou abandonar a atividade, reforçando ainda mais o status negativo da prostituição.

Em meados de 500 a.c., surge, na Grécia, com intuito lucrativo, a exploração da prostituição por terceiros, criada por Sólon e institucionalizada pelo Estado[1].

Apesar de ser uma das atividades mais antigas da humanidade, inegavelmente, estamos diante de um dos comportamentos mais degradantes e moralmente censuráveis que, até os dias atuais, a civilização não conseguiu erradicar, insistindo em se cegar à referida prática criminosa.

Em tempos remotos, as casas de prostituição eram instaladas nos subúrbios, onde a fiscalização era menos acentuada e a atividade, por via de consequência, conseguia se desenvolver sem embaraços. Com o passar dos tempos, esses estabelecimentos foram migrando para os centros urbanos, localizando-se em espaços com maior clientela para os serviços prestados.

Sobre essa expansão das casas de prostituição, não raras vezes ouvimos discursos afirmando a existência paradoxal da criminalização de uma conduta que, em tese, estaria relacionada ao exercício de uma atividade considerada lícita pelo ordenamento jurídico brasileiro, que é a própria prostituição em si. Cezar Roberto Bitencourt, apesar do brilhantismo que lhe é peculiar, apresenta a rasa fundamentação de que a prostituição no Brasil não é crime e, portanto, seria desarrazoado punir aqueles que intermedeiam a sua prática em estabelecimentos especificamente destinados a fins sexuais.[2]

Outros, a exemplo do ilustre André Nicolitt, optam pela tese da adequação social para afastar a tipicidade do crime de casa de prostituição. Convém obtemperar, porém, que costumes não são meios eficazes para afastar a criminalização de uma conduta. O Brasil refuta a incidência de "costumes contra legem", sendo necessária a existência de lei posterior abolindo a conduta considerada crime, em obediência ao Princípio da Legalidade.[3]

Em verdade, o nosso Direito Penal criminaliza a manutenção, por conta própria ou de terceiro, de estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente, conforme art. 229, de nosso Código Penal. Nesse sentido, convém ressaltar que o bem jurídico tutelado a partir do diploma legal retro citado é a própria dignidade sexual do ser humano[4], atuando de modo a dissuadir a prática de condutas relacionadas à exploração sexual do corpo de terceiros. Ademais, importante frisar que a figura típica objeto do presente estudo tem como objetivo proteger Direitos Fundamentais do ser humano, em especial, no que diz respeito à própria intimidade do ser humano, conforme se depreende do art. 5º, da Constituição Federal de 1988.

É sobremodo importante registrar que protegemos a exploração sexual do homem sobre o homem, independentemente se há convergência entre a moral e o Direito nesse contexto de tutela. Lucrar com o uso sexual do corpo alheio é, sem dúvidas, regredir em termos de garantias e direitos fundamentais.

2. CONCEITO LEGAL:

O Código Penal Brasileiro, sob os ditames do art. 229, é peremptório em considerar crime a manutenção, por conta própria ou de terceiro, de estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente.

O verbo núcleo do tipo vem representado pela expressão "manter", que denota a existência de um crime habitual. Crime este que, para se consumar, depende de uma reiteração de condutas, hipótese em que uma conduta individualmente considerada não possui relevância penal.

Cabe acentuar que o tipo penal exige que o estabelecimento seja destinado à "exploração sexual", que não se confunde com o sexo propriamente dito. Aquela encontra horizonte mais extenso, podendo ser definida como qualquer tipo de exploração do corpo de uma pessoa, haja contiguidade física ou não, que é ofertada aos clientes por exploradores, verdadeiros comerciantes sexuais.

Sobre o local da exploração sexual, não se exige que haja destinação exclusiva para este fim, bastando que seja demonstrado que o estabelecimento é utilizado como meio para a referida atividade ilícita, conforme ensina Cezar Roberto Bitencourt.[5]

Neste bordo, saliente-se que é prescindível o intuito ou não de lucro, sendo irrelevante, também, a mediação direta do proprietário ou gerente. Exige-se, porém, que esses sujeitos tenham o conhecimento de que no local exista a exploração sexual de outrem, sob pena de caracterizar a odiosa responsabilidade penal objetiva.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, desde que mantenha, na condição de proprietário ou gerente, "casa do ramo", com ou sem finalidade lucrativa, embora esta esteja implícita nessa modalidade de conduta, excluindo-se a prostituta que mantém o local, para ela, sozinha, explorar o comércio carnal, visto que o tipo penal exige que o sujeito ativo mantenha a casa para a prostituição alheia, e não para a própria.

O sujeito passivo é representado pela própria pessoa explorada e, secundariamente, toda a coletividade. Sobre o tema, há quem diga que a prostituta não pode ser considerada como sujeito passivo do delito, pois seria opção sua dispor de seu próprio corpo e conduzir sua vida de forma desregrada[6]. Porém, verdade seja, ela é a vítima direta do crime em questão, pois apesar da prostituição ser lícita, a exploração é crime e a conduta recai diretamente sobre a pessoa prostituída.

Não é demais observar que, em razão da gravidade da ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma, o crime de casa de prostituição é de Ação Penal Pública Incondicionada, devendo o Estado atuar de ofício em prol da persecução penal.

Entretanto, é com relação ao termo "estabelecimento" que reside a base temática do presente artigo. À primeira vista, tende-se a conjecturar que a expressão significa estritamente um local físico, palpável, uma loja comercial, com estrutura arquitetônica. Nada obstante, o vocábulo possui alcance maior, abarcando também espaços imateriais, intocáveis, impalpáveis, como passaremos a asseverar, como será demonstrado no avanço do estudo.

3. INTERPRETAÇÃO EVOLUTIVA

Não é novidade que o mundo virtual é um campo fértil para a prática de condutas criminosas. E, se a tecnologia avança, não tenha dúvida de que o crime também a acompanha. Infelizmente, nem sempre a lei consegue acompanhar a dinâmica social. Porém, por vezes, a conduta praticada no ambiente cibernético se amolda perfeitamente ao fato criminoso previsto abstratamente em nosso Código Penal.

Todavia, para o perfeito ajuste do fato à norma, precisamos interpretar a lei de forma progressiva (evolutiva), amoldando a lei à realidade da sociedade atual e, por via de consequência, evitando a constante reforma.

Sobre o tema, a doutrina defende que não existe identidade entre norma jurídica e texto normativo, afirmando que texto não se confunde com norma. O texto apresenta-se a partir de símbolos de linguagem, já a norma é o alcance interpretativo extraído do texto. Cabe ao intérprete, a partir do texto, interpretar a delimitação da estrutura normativa, ou seja, o alcance do texto.[7]

A interpretação evolutiva atribui novos significados à norma, sem modificação do seu teor literal. É necessário, neste ponto, ativismo nas perspectivas interpretativas, sob pena de acarretarmos o óbito da letra legal.

4. CASA DE PROSTITUIÇÃO CIBERNÉTICA:

A casa de prostituição, na melhor de suas acepções, é o local onde as prostitutas exercem o comércio carnal. Como demonstrado no início do presente artigo, as casas de prostituição, ao longo do tempo, apresentam uma dinâmica centrípeta, migrando dos subúrbios, onde existia menos fiscalização, para os grandes centros, aproveitando a cegueira social e jurídica da conduta criminosa.

Contudo, as casas de prostituição vêm ganhando um novo contorno, fundamentado, principalmente, pela famosa Era Digital. Os proxenetas enxergaram no ambiente virtual um excelente campo para explorar a sexualidade das pessoas, com maior discrição e de forma menos invasiva, pelo menos em tese.

Esse novo viés do crime de casa de prostituição utiliza o estabelecimento virtual, disponibilizando serviços sexuais online através de um site. Sobre a definição desse novel conceito de estabelecimento, na doutrina, sobreleva a lição de Fábio Ulhoa, que afirma tratar-se de "uma nova espécie de estabelecimento, fisicamente inacessível: o consumidor ou adquirente devem manifestar a aceitação por meio da transmissão eletrônica de dados." (COELHO. 2000, p. 33)

A modalidade cibernética do delito de casa de prostituição possui um modus operandi peculiar, mas que se adéqua perfeitamente aos elementos típicos previstos no art. 229 do Código Penal brasileiro. Nesse espectro, há a prestação de um serviço sexual em troca de valores pecuniários, o que, até então, não consubstanciaria qualquer crime. Porém, a exploração, em si, se dá no momento em que esses estabelecimentos virtuais cobram um percentual do "programa" realizado pela(o) prostituta(o). Ou seja, assim como na modalidade convencional, a virtual exige um terceiro se beneficiando (explorando) da comercialização sexual de outrem.

Convém ponderar que, se a própria pessoa oferecesse os serviços no ambiente virtual, sem intermediador, estaríamos diante de fato atípico à luz do ordenamento jurídico brasileiro. O que se pune, frise-se, é a exploração. Destarte, se determinada pessoa cria um site com mecanismos tecnológicos aptos a comercializar o próprio corpo, não há crime, pois haverá mera prostituição. Todavia, se terceiro cria um ambiente virtual para que terceiros possam comercializar o sexo, exigindo percentual do serviço prestado, há, inexoravelmente, o crime de casa de prostituição, adaptado, porém, à evolução tecnológica.

Trata-se, em verdade, de um mecanismo que possibilita a exploração remota, pois não mais é preciso manter as prostitutas em um ambiente específico para a mercancia do sexo, bastando que cada qual tenha um mecanismo de entrada de vídeo e áudio em seus computadores para transmitir a sua imagem e som.

Apesar de menos invasiva, pois não há o contato físico propriamente dito, essa nova modalidade é tão criminosa quanto à convencional, visto que há nítida e incontestável exploração do corpo de outrem através da propagação de imagens e sons com conotação sexual.

Na prostituição cibernética, o sujeito ativo captura prostitutas(os) para fazerem shows eróticos, strip teases e performances para os seus clientes. Essas(es) garotas(os) de programa, posteriormente, serão incluídas(os) no rol de "prestadores de serviço" do site, com mensagens publicitárias dos serviços prestados e demais informações específicas sobre o "programa". Tudo isso, via de regra, custeado pelo proprietário do estabelecimento virtual.

Nos prostíbulos virtuais são oferecidas "salas próprias", individuais, para cada prostituta(o) negociar o seu show com os clientes cadastrados. O próprio site possui sistema de pagamento, recepcionando a quantia paga pelo serviço, recolhendo o percentual pela manutenção do ambiente virtual e, consectariamente, repassando o valor remanescente para a prestadora direta do serviço (a prostituta).

O sujeito ativo do crime será o proprietário ou o gerente do site, mesmo que não faça a intermediação operacional dos encontros libidinosos, bastando que haja o conhecimento da exploração, sob pena de caracterizar a repelida responsabilidade penal objetiva.

Esse site, por questões operacionais, deve estar vinculado a uma empresa que o hospedará. A hospedagem de site é o serviço de armazenamento e disponibilização constante do mesmo na internet, possibilitando que o site esteja disponível 24 (vinte quatro) horas por dia em todo o mundo. Porém, Não se vislumbra, a piori, a responsabilidade penal da empresa que hospeda o site, salvo se tiver conhecimento de que está albergando em seu servidor uma espécie de casa de prostituição cibernética. No entanto, se houver o conhecimento da referida prática, o hospedeiro poderá ser responsabilizado pelo crime em razão do assessoramento, a título de participação.

No que tange aos programadores, designers e colaboradores do site, não vislumbramos a responsabilidade penal pelo crime de Casa de Prostituição Cibernética, pois, assim como na modalidade convencional, exige-se que o sujeito ativo possua a qualidade de gerente ou proprietário do estabelecimento. Sobre o tema, importante colacionar os ensinamentos do mestre Cezar R. Bitencourt:

"Estão excluídos da responsabilidade penal os serviçais desses locais (camareiras, garçons, cozinheiras etc.), pois se deve punir quem tem o exercício e o controle da casa de prostituição, e, certamente, não são esses humildes trabalhadores."[8]

Quanto ao sujeito passivo da modalidade cibernética, aplica-se raciocínio simétrico à convencional, afigurando-se como tal a própria pessoa explorada e também a coletividade, apesar de algumas divergências, como salientado no início do estudo.

Cristalino dizer que o consentimento do ofendido, em nosso entender, não exclui a tipicidade e nem mesmo a ilicitude da conduta, pois a exploração, per si, é suficiente para perfeito ajuste do fato à norma. Porém, por respeito à divergência, imperioso assinalar que há quem diga, a exemplo do emérito Guilherme de Souza Nucci, que "se a é pessoa induzida, atraída, facilmente inserida ou impedida (por argumentos e não por violência, ameaça ou fraude, que configuraria o § 2º) de largar a prostituição, sendo maior de 18 anos, trata-se de figura socialmente irrelevante". [9]

5. MOMENTO CONSUMATIVO

Reservamos tópico específico para tratar do momento consumativo, pois há grande divergência na doutrina sobre o tema e suas repercussões para efeitos da prisão em flagrante e adequação da modalidade tentada do delito.

O crime de casa de prostituição possui como verbo núcleo do tipo a expressão "manter", que denota, com transparência, a existência de um crime habitual. Crime este que exige a reiteração de condutas para fins de completude do tipo penal, hipótese em que uma conduta, individualmente considerada, se afigura como um indiferente penal.

Assim sendo, o crime estará consumado com a manutenção do estabelecimento, dolosamente, para fins de exploração sexual de outrem. Porém, é nesse momento que surge a grande divergência sobre o instituto. A doutrina digladia-se sobre a análise da manutenção ser realizada sob um prisma objetivo ou subjetivo.

A doutrina majoritária, capitaneada por Guilherme de Souza Nucci, afirma que, como estamos diante de um crime habitual, exige-se objetivamente a prova de reiteração da conduta para fins de consumação do delito. [10] Desse modo, a inauguração do estabelecimento é um indiferente penal, não sendo possível falarmos em tentativa e, por via de consequência, inviável a prisão em flagrante diante de crimes habituais.

Outrossim, os ilustres professores Zaffaroni e Pierangeli esclarecem que a moderna tendência doutrinária considera os delitos habituais como tipos em que a intenção de praticar o fato com habitualidade é apenas um elemento subjetivo especial. Seriam, então, na denominação tradicional, crimes formais, que se consumariam com o primeiro ato típico.[11]

Para esses autores, que melhor interpretam a norma, a manutenção do estabelecimento deve ser analisada sob um viés subjetivo, hipótese em que a inauguração do prostíbulo já se caracteriza como atos executórios, puníveis e suscetíveis de prisão em flagrante.

Sublinhe-se que a tutela penal não deve ser cega. Se a autoridade policial tem notícias sobre a inauguração de um estabelecimento, seja ele físico ou virtual, deverá ser feita a interdição policial, caso possa ser demonstrado que a intenção dos agentes ativos era a de praticar a conduta reiteradamente. Como se vê, o tipo, por ser habitual, continua exigindo a reiteração de condutas, porém, esse complexo criminoso poderá ser demonstrado através de conteúdos probatórios colhidos no momento da intervenção policial. Entendimento contrário reduziria o poder de atuação da polícia frente aos crimes habituais, servindo como "pílula estimulante" da criminalidade.

Sob a ótica da casa de prostituição cibernética, caracterizado e comprovado está o animus de repetição da conduta quando o agente registra o domínio, arregimenta pessoal qualificado para o desenvolvimento e operacionalização do site, o hospeda, recruta as prostitutas e promove a publicidade. Porém, até esse momento, são visualizáveis apenas a cogitação e atos preparatórios, como etapas do iter criminis.

Ulteriormente, somando-se os atos preparatórios à inauguração do estabelecimento, é possível extrair elementos que caracterizem o início dos atos executórios, viabilizando, por conseguinte, a prisão em flagrante e imputação do crime de casa de prostituição (art. 229 do Código Penal), ao menos, na modalidade tentada.

Paulo José da Costa Jr, convergindo com a tese de Zaffaroni e Pierangeli e corroborando com o nosso raciocínio, observa que haveria a possibilidade da tentativa nos crimes habituais se ficasse provada a intenção da reiteração quando fosse surpreendido na execução da primeira conduta.[12]

Vencidas as divergências jurígenas, retornando à modalidade cibernética, devemos assinalar que, no ambiente virtual, elementos probatórios específicos são de grande valia para comprovar a materialidade do delito e a reiteração de condutas, tais quais, o tempo de registro do domínio e a duração do contrato de hospedagem. Porém, com potencial probatório de extrema relevância, tem-se a possibilidade de decretação judicial da quebra de sigilo de dados do site, permitindo o acesso às informações de todos os clientes, bem como o registro dos "programas" contratados e data de cadastramento do usuário.

Oportuno torna-se trazer ao nosso plano de discussão a obtenção do número de IP (Internet Protocol) como importante meio de identificação do sujeito ativo do delito de casa de prostituição. Trata-se de valioso meio de obtenção de prova de autoria. Inclusive, é bom dizer que a autoridade policial prescinde de autorização judicial para requisitar essas informações das empresas que detêm a tecnologia para identificar o número do IP do usuário.

Sobre o tema, importante colacionar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

"CRIME CONTRA A HONRA. DADOS. IP. A obtenção de dados do usuário de determinado Internet Protocol (IP) consistente tão só na identificação da propriedade e do endereço em que instalado o computador do qual partiu o escrito criminoso não está resguardada pelo sigilo de que cuida o art. 5º, XII, da CF/1988, nem pelo direito à intimidade, que não é absoluto, prescrito no inciso X daquele mesmo artigo. Inexiste, no caso, qualquer aspecto do "modus vivendi" da pessoa, o que não resulta constrangimento ilegal. Assim, a Turma, ao prosseguir o julgamento, denegou a ordem. HC 83.338-DF, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, julgado em 29/9/2009."

Consoante noção cedida, eis que surge o questionamento sobre a necessidade de atualização legislativa para abarcar essa suposta nova conduta. Seria necessário? Evidentemente que não. É de clareza solar que aquele que se envereda para desenvolver um site para comercialização sexual de terceiros, a partir de um estabelecimento, mesmo que virtual, está praticando o crime previsto no art. 229 do Código Penal.

6. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO

Analisaremos nesse tópico a competência para julgar os delitos de casa de prostituição na modalidade cibernética. Como sabido, todo juiz é investido de poder jurisdicional. Entretanto, nem todos os juízes podem julgar todas as causas. Essa atuação é limitada com base em uma série de critérios que a lei elege, estabelecendo-se, dessa forma, a competência de cada julgador. A competência é, conforme ensina Mougenot Bonfim, "a medida ou limite em que poderá o julgador exercer o poder de jurisdição. Representa a porção do poder jurisdicional que é conferido a cada órgão investido de jurisdição."[13]

No Direito Processual Penal Brasileiro adota-se a Teoria do Resultado, hipótese em que a competência será, via de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução, fulcro no art. 70 do referido Codex.

Insta revelar, de imediato, que o fato do delito ser cometido pela rede mundial de computadores não faz incidir, por si só, a competência da Justiça Federal. Para que haja o processamento da respectiva Justiça, a atuação criminosa deve estar relacionada a uma das hipóteses previstas taxativamente no art. 109 da Constituição Federal - STJ. CC 121.431-SE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 11/4/2012.

Na espécie virtual, para determinar a competência para julgamento, deve-se adotar uma visão prospectiva e sistemática à luz da jurisprudência pátria. Para tanto, podemos nos parametrizar em diversas decisões dos Tribunais Superiores para afirmar que a competência será do local em que o provedor do site está hospedado, pois é a partir da referida localização que é viabilizada a transmissão de todo o conteúdo, sendo preponderante, em termos de logística, para a prática dessa modalidade criminosa.

Nesse caminhar, o Superior Tribunal de Justiça, no Conflito de Competência nº 97201, expõe que no caso dos crimes virtuais, praticados pela internet, a competência é firmada pelo lugar de onde partiu o ato delituoso, ou seja, do local da sede do provedor do site:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME CONTRA A HONRA. CALÚNIA. OFENSAS PUBLICADAS EM BLOG NA INTERNET . COMPETÊNCIA DO LOCAL ONDE ESTÁ SEDIADO O SERVIDOR QUE HOSPEDA O BLOG . 1. O art. 6º do Código Penal dispõe que o local do crime é aquele em que se realizou qualquer dos atos que compõem o iter criminis . Nos delitos virtuais, tais atos podem ser praticados em vários locais. 2.Nesse aspecto, esta Corte Superior de Justiça já se pronunciou no sentido de que a competência territorial se firma pelo local em que se localize o provedor do site onde se hospeda o blog , no qual foi publicado o texto calunioso. 3. Na hipótese, tratando-se de queixa-crime que imputa prática do crime de calúnia, decorrente de divulgação de carta em blog , na internet , o foro para processamento e julgamento da ação é o do lugar do ato delituoso, ou seja, de onde partiu a publicação do texto tido por calunioso. Como o blog denominado Tribuna Livre do Juca está hospedado na empresa NetRevenda (netrevenda.com), sediada em São Paulo, é do Juízo Paulista, ora suscitante, a competência para o feito em questão. 4. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da Vara do Juizado Especial Criminal do Foro Central da Barra Funda - São Paulo/SP, o suscitante.

O art. 71, do Código de Processo Penal expõe que diante de infração continuada ou permanente, praticada em território de duas ou mais jurisdições, a competência firmar-se-á pela prevenção. Entretanto, a regra delineada no dispositivo retro deve ser, a priori, rechaçada, pois, em verdade, apesar de estarmos diante de uma infração continuada, o delito não é praticado em duas ou mais jurisdições, visto que a competência será firmada com base na sede do provedor que alberga o prostíbulo cibernético.

O intérprete com maior acuidade deve já estar se questionando sobre a competência diante do site hospedado em provedor de outro país. A competência seria da Justiça Federal? Registre-se, mais uma vez, que a atração da causa ao âmbito federal exige que a hipótese criminosa esteja relacionada aos casos previstos no art. 109, da Constituição Federal.

Mister revelar que, se o site estiver hospedado em provedor estrangeiro, devemos nos socorrer ao que dispõe o art. 88 do Código de Processo Penal, hipótese em que a competência será firmada em razão do juízo da Capital do Estado onde houver por último residido o acusado. Se este nunca tiver residido no Brasil, será competente o juízo da Capital da República.

Desse modo, com base em sólido terreno jurisprudencial e lógico, pode-se inferir que a competência para processo e julgamento do crime de casa de prostituição cibernética deve se balizar pelo local em que está sediado o provedor de hospedagem do estabelecimento virtual.

Por outro lado, há de se questionar se a fixação do local da competência não levaria em conta o lugar em que o site é administrado, gerenciado, pelo sujeito ativo do crime. Afinal, é de uma sede física, de um estabelecimento real, que o indivíduo, remotamente, controla e obtém vantagem com todo o esquema criminoso.

Entretanto, malgrado argumento seja atrativo, temos que trazer à tona que o local da consumação do crime da casa de prostituição convencional é o endereço onde a mesma está situada, isto é, o logradouro da sede física do estabelecimento.

Analogicamente, o endereço em que se encontra a casa de prostituição virtual é o do provedor onde a mesma está hospedada, razão pela qual há de se dar ainda mais azo à tese que atribui competência ratione loci do crime em epígrafe ao do lugar onde está situado o hospedeiro do site, e não onde este é administrado.

7. PROPAGANDA SEXUAL

Noutro vértice, não podemos deixar escoar a matéria, sem antes discutirmos sobre a exploração da propaganda sexual, para fins de prostituição, por diferentes meios de comunicação.

Não é de agora que jornais impressos trazem em seus classificados anúncios de prostituição, muitas vezes camuflados como "acompanhantes" (mero eufemismo), em que o espaço publicitário é cedido em troca de pagamento. Nesse padrão, sítios da internet promovem o mesmo modelo de aproveitamento, que logicamente resulta, ainda que indiretamente, em certo tipo de exploração sexual.

Contudo, esse ganho oblíquo com a prostituição, em tese, não figuraria no tipo penal em epígrafe, haja vista que o "estabelecimento" em si não realiza o ato da concupiscência, servindo apenas como outdoor dos serviços prestados pelas(os) prostitutas(os). Nessa espécie não há o ganho pelo programa em si, mas sim uma cobrança para fins publicitários.

Muito embora não se amolde à figura típica da "casa de prostituição", nada impede a adequação do fato narrado como sendo crime, em tese, de "favorecimento à prostituição", descrito no artigo 228 do Código Penal Brasileiro, em razão da facilitação à prostituição que é promovida a partir dos anúncios.

Este, porém, é tema, eventualmente, para outro trabalho, "cenas dos próximos capítulos".

8. CONCLUSÃO:

Desafiante subsumir uma conduta da nova era digital a uma figura típica estabelecida sem ressalvas no Código Penal, especialmente quando tratamos de um ordenamento jurídico penal baseado no princípio da taxatividade.

Defendemos, sem hesitação, a perfeita adequação do fato (manter casa de prostituição virtual) à norma (art. 229, CP), ainda que saibamos do alto grau de conservadorismo existente em nossa doutrina pátria.

Além do mais, abordamos não ser necessária a criação de um novo tipo penal para tipificar a conduta da casa de prostituição cibernética, afinal o inchaço dos tipos penais no ordenamento jurídico brasileiro prejudica o efeito concretizador do Direito Penal.

Acreditamos, sobretudo, ser papel do operador do Direito buscar sempre inovar, sem, contudo, deixar de lado os preceitos fundamentais consolidados e os direitos e garantias já conquistados. Assim, procuramos, no presente trabalho, trazer o espírito vanguardista e revolucionário tão raros nas ciências jurídicas, sem abandonarmos, conquanto, os princípios existentes.

O Direito e, por conseguinte, a lei devem evoluir para tentar acompanhar a dinâmica social de perto, sob pena de tornarem-se letra morta, inaplicáveis e sem força coercitiva sobre a sociedade.

Diante do que foi abordado, chegamos à conclusão da importância que se tem em analisar essa nova realidade da sociedade digital e da constante busca evolutiva que o intérprete do Direito deve fazer para tentar adequar os novos fatos às velhas leis.

Destarte, pugnamos pela reflexão dos intérpretes do Direito para com a temática ora analisada, postulamos pelas críticas dos leitores com relação a esta quebra de paradigmas e invocamos os estudiosos à discussão.

[1] ROSSIAUD, Jacques. A Prostituição na Idade Média. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

[2] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Vol. 4. 8ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014,p. 183

[3] CRUZ, Adriana. Juiz libera casa de prostituição no Rio de Janeiro. Disponível em: https://toquedeacolherbahia.blogspot.com.br/2011/06/juiz-libera-casa-de-prostituicao-no-rio_03.html. Acesso em: 15 de fevereiro de 2015.

[4] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Vol. 4. 8ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014,p. 184

[5] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Vol. 4. 8ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014,p. 189

[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 14º Ed. Rio de Janeiro: Gen Método, 2014, p. 699

[7] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 18º Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014, p. 170.

[8] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Vol. 4. 8ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014,p. 185

[9]NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado, 4. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2003, p. 704

[10] NUCCI. Guilherme de Souza. Crimes contra a dignidade sexual. 3ª Edição. São Paulo: RT, 2012, p. 82-83.

[11] ZAFFARONI, Eugenio Raúl & PIERANGELI, José Henrique. Da tentativa. 6ª ed. São Paulo: RT, 2000.

[12] COSTA, Paulo José da. Comentários ao Código Penal, 6. ed., São Paulo, Saraiva, 2000, p. 747.

[13] BONFIM. Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 7ª Ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 330.


Filipe Martins Alves Pereira. Delegado de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina. Ex-Delegado de Polícia do Estado da Bahia. Pós-graduando em Segurança Pública. Coach membro da Sociedade Brasileira de Coaching - Fundador e Coordenador Canal Carreiras Policiais - Instituto de Ensino das Carreiras Policiais.